Tradução de “Heidegger: Interaction as tool use”, de Dag Svanaes

Tradução para o português da seção 11.5 da Encyclopedia of Interaction Design: “Heidegger: Interaction as tool use“, escrito por Dag Svanaes. Tradução realizada por Rodrigo Freese Gonzatto.

 

11.5 Heidegger: Interação como uso de ferramenta

Winograd e Flores argumentam em “Computers and Cognition” que a ciência cognitiva toma como garantido que a cognição humana e a comunicação são simbólicas, e que símbolos como “gato” referem-se em um forma um-para-um aos objetos do mundo. A filosofia do ser de Heidegger (Heidegger 1996; a versão original é Heidegger 1927) rejeita esta visão e inicia com a nossa existência factual do mundo e a forma como lidamos com nosso ambiente físico e social. Sua filosofia abrange um amplo leque de temas, dos quais Winograd e Flores usam principalmente sua análise das ferramentas. Heidegger usou um carpinteiro e seu martelo como um exemplo (Figura 11.5B). Winograd e Flores argumentam que um computador pode ser visto como uma ferramenta: Para usuário habilidosos de computadores, o computador é transparente em uso – é ready-to-hand. Quando eu escrevo um documento em um editor de texto, meu foco é no texto e não no editor de texto. Se meu editor de texto trava, meu foco se move do texto no qual eu estava trabalhando para o próprio editor de texto. É apenas quando nós temos uma situação de breakdown e o computador para de funcionar como uma ferramenta que ele emerge como um objeto no mundo – ele se torna unready-to-hand. Se nós não formos capaz de corrigir o problema que causa o breakdown, ele se torna present-at-hand.

Heidegger descreveria o interruptor de luz da Figura 11.1 A como uma ferramenta para controlar a luz. Como parte de nossa vida cotidiana, o interruptor de luz é uma parte integrante de nosso background de readiness-to-hand, e a interação com o interruptor é, em certa medida, invisível para nós. É apenas quando o interruptor para de funcionar como esperado, ou quando nós conscientemente escolhemos refletir sobre ele, que ele emerge do background It is only when the switch stops working as expected, or when we consciously chose to reflect on it, that it emerges from the background as an object.

Heidegger não nega o fato de que interruptores de luz existem no mundo como um objeto para ser visto, tocado e manipulado. Seu ponto é que a essência do interruptor emerge apenas pelo seu uso. Sua “interruptoridade” está oculta para nós até colocá-la em uso. Um importante aspecto da sua “interruptoridade” é que ela permite um certo tipo de interação. Quando o macaco em Kubrick’s 2001: A Space Odyssey (Figura 11.5C) percebe que o pedaço de osso em sua frente pode ser usado para quebrar coisas, a “martelidade” do osso emerge para ele – e os ossos para sempre param de ser apenas ossos. A “martelidade” dos ossos estiveram lá o tempo todo, mas precisava ser colocada em prática para emergir. Similarmente com a interatividade no interruptor de luz – sua “interruptoridade” emerge pelo uso.

De uma perspectiva heideggeriana, o significado específico da interação com o interruptor de luz depende da situação de uso e da intenção do usuário. Ligar a luz como parte de minha ação cotidiana de entrar em um quarto é diferente de ligar a luz para ver se o interruptor funciona. No primeiro caso a interação é parte de um objeto maior, enquanto no segundo caso seria o próprio objetivo. A ciência cognitiva iria perder esta sutil diferença, uma vez que iria modelar ambas as interações como sendo o mesmo comportamento de processamento de informação em busca de objetivos. Heidegger iria também argumentos que para estar apto à entender como a interação é significativa para um usuário específico, nós teríamos que entender o mundo vivido deste usuário, por exemplo, o background cultural e pessoal que serve como quadro de referência e contexto para cada experiência desta pessoa.

Heidegger argumenta ainda que as ferramentas existem na prática compartilhada de uma cultura como parte de um nexo equipamental, por exemplo: martelos com pregos e madeira. O martelo recebe sua significância por meio de sua relação com pregos e madeira, assim como o prego obtêm sua significação através de sua relação com o martelo e a madeira. Os elementos formam um todo, e cada elemento obtém sua significância a partir do seu papel nesse conjunto.