Crítica da Razão Tupiniquim é um livro de Roberto Gomes escrito em 1977. Entre outras críticas, o autor denuncia a falta de originalidade da filosofia brasileira, que apenas se atém aos modelos de seriedade estrangeira. Mas o que é ser sério?
Há uma diferença entre “sério” e de “a sério”: alguém pode ser sério em algo, ou levar algo a sério. Gomes se pergunta se o filósofo precisa ser sério no seu trabalho ou se apenas deve levar as questões de seu trabalho a sério. Na real, seu ataque é direto: o brasileiro só leva a sério o que é posto como sério.
Entretanto, é no Brasil onde o falar, o escrever e o pensar vieram a ser as coisas mais formalizadas e rígidas que se conhece (…) Essencial trocar todas as palavras usuais por palavras que estranham nosso modo. Construir frases numa ordem que jamais usaria para pedir um cafezinho. E falar sobre coisas para as quais nos custa encontrar referência na realidade em volta. No intelectual brasileiro que discursa, triunfa o sério – expressão de uma classe privilegiada diante da multidão analfabeta (…) Eis o que desejaria mostrar: nossa aversão à pompa acaba convertendo-se em seu oposto – o triunfo da cultura formalistica. E, pois, urgente que assumamos a capacidade a séno do humor como forma de conhecimento. Só no momento em que, abandonada a tirania do sério, percebermos que nossa atitude mais profunda encontra-se em ver o avesso das coisas, é que poderemos retirar de nossas costas o peso de séculos de academismo (Roberto Gomes, Crítica da Razão Tupiniquim, 1994, p.14-15)
Não diferente, o filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto faz graça de uma situação similar:
“A cultura é, em primeiro lugar, aquilo que se recebe de fora, que os outros generosamente nos ofertam, a que a nós, que não a produzimos, cabe recolher com a máxima veneração. (…) Adquirir cultura é participar desse divino banquete, no qual, como nos simpósios antigos, os gênios conversam sobre coisas do espírito. É certo que o convidado ocupa um lugar modesto, não faz mais do que escutar, não ousa interromper ou interrogar. Mas só ter o direito de assistir ao diálogo dos numes já é uma graça sem preço. (Vieira Pinto, Consciência e Realidade Nacional, 1960 [I], p.202)
Quero propor esta provocação à pesquisa em Design de Interação no Brasil.
É muito comum uma certa obediência ao que é proposto “lá fora”. Respeita-se divisões entre metas de usabilidade e de experiência do usuário, níveis reflexivos e viscerais ou mesmo de designers e usuários. Também é muito comum dizer que não é sério o trabalho feito “por aqui” que difere e busca outras abordagens, técnicas e teorias de encarar o projeto da interatividade.
Quando cursei a disciplina de Metodologia de Pesquisa fui incentivado a não só conhecer o processos de Design, mas criar novas técnicas e métodos. Disto saiu o Método do Humor. Mais tarde, participei dos UX Cards, projeto em design livre no Corais.org, que buscava dar base à articulação de metodologias no contexto de projetos práticos. Ter participado de projetos como estes contribuiu para conhecer mais a fundo as questões de pesquisa e de projeto, e me fez perceber que nem sempre faz sentido a risca as propostas de pesquisadores que observam outras realidades.
Quanto sentido faz só levar a sério um teste de usabilidade em laboratório? Tanto quanto usar terno no Rio de Janeiro? Enquanto o Design de Interação tem se voltado cada vez mais à pesquisa em campo, às situações de uso contextualizadas, escuta-se por aqui que não se faz pesquisa por falta de laboratório. Mais do que estarem observando outro contexto, o próprio contexto de pesquisa destes é outro: possuem recursos e uma história diferente da que temos.
O Design Livre é um exemplo exemplo. Se apropria do Open Design de lá, mas torna seu ao fazer do seu jeito – Se o produto do design pode ser aberto, porque não tornar o processo também? Bebe da fonte da Antropofagia daqui, mas tentar colocar algo seu – come para regurgitar algo novo, mas também trabalhar seu o corpo para oferecer uma carne saborosa para quem quiser provar. Se essa uma abordagem brasileira para a inovação aberta? Pode ser, se continuar sendo feita.
Que tal ler um Norman, e questionar? Pergunta-se – o sobre o que aquele post não diz? Reconhecer clones. Retrucar Preece, Rogers, Sharp, Cooper, Saffer, Kolko. Não falo de ignorar ou menosprezar. Cada um trouxe sua contribuição (e isso é realmente importante!), mas tenho certeza que estão tentando explicar e dar sentido as coisas tanto quanto por aqui também estamos.
* Todas as Ilustrações deste post são de Luiz Carneiro e estão na versão de 1994 do livro Crítica da Razão Tupiniquim.
Adorei o post! Instigando o processo reflexivo. 😉