Design como linguagem: não basta projetar, tem que parecer projetado?

Arrumávamos a sala para um minicurso. Eu e a equipe gostávamos de jogar vários chocolates bis em cima das mesas de trabalho, para que os participantes iniciem um dia mais doce 🙂 Só que desta vez, ao vez todos os bis espalhados na mesa, tive a ideia de organizá-los e fiz círculos com os chocolates, como se fossem um sol, no centro de cada mesa.

Muitos chocolates sobre uma mesa Dois grupos de chocolates da marca Bis. Um tem chocolates dispostos em círculos e outro, chocolates bagunçados.

Ok, o pessoal chegou, o minicurso começou… e ninguém pegou um único bis! Aquilo me deixou intrigado: quem resiste a um bis? será que o modo como eu havia organizado os chocolates poderia ter propiciado um comportamento contrário do que eu desejava?

Se um projeto (design) parece projetado (designado), as pessoas que vão usá-lo irão considerar isso durante seu uso. Na dúvida sobre o pra quê de algo ter sido projetado daquela maneira, busca-se ou aguarda-se pelo momento de explicação que vai direcionar o uso. No caso do bis, por eles estarem organizados/projetados, pode ser que os participantes do minicurso tomaram como pressuposto que eles estavam assim por alguma intenção maior do que a de simplesmente serem devorados. Para evitar fazer algo “errado” perante de outros – muitos desconhecidos – ninguém começava a comer. Como ninguém comeu, ninguém comia o chocolate, como em um consentimento silencioso…

Bem, alguns participantes confirmaram mas esta é só uma hipótese! O que podemos aproveitar deste experimento acidental?

Primeiro, que projetar para parecer não projetado pode fazer parte do projeto. E uma estratégia para a propiciação de um comportamento, de uma percepção. Existe uma linguagem do projetar. Para parecer projetado, precisa seguir certas regras, um certo “estilo. Tal como quem rasga a roupa propositalmente, buscando a linguagem do rasgado, do não-intencional. Ou como no Design Gráfico, quando se diz que não se deve esticar uma imagem, não utilizar todos os elementos alinhados no centro, limitar a utilização de tipografias diferentes, não usar Comic Sans, entre outros, são aspectos comuns de linguagens que demonstram que algo foi projetado. Engraçado como isto se torna um estilo, com época, local e associado a tipos de pessoas.

Várias imagens de anúncios considerados feios por designers. Isto é design bontio? Feio? Por quê?

Alguns designers ficam envergonhados com um projeto, mesmo que ele atinja seu objetivo. Para alguns – principalmente entre designers – não basta ser, tem que parecer projetado. Assim, a linguagem precisa tomar contornos que justifiquem que determinado projeto é mais projeto que outros: grids, justificações conceituais, teorias e relações que formam um discurso que se torna parte da própria comunicação. Se a maioria tenta colocar muita informação no mesmo espaço, o que parece mais projetado é aquele espaço que não tem muita informação (“limpo”, “clean”, com “área de respiro”). Se opor pode ajudar a parecer projetado, mas é preciso sensibilidade para não parecer “um tiro no escuro”, “experimentação” ou “bigodagem”.

Como apontado por Lowgren e Stolterman em “Thoughtful Interaction Design” (p.8), o trabalho de design é formado e estruturado pelos pensamentos, considerações e ações dos próprios designers, pois o conhecimento para se fazer design é um conhecimento sobre design. E conhecimento sobre design envolve diferentes tradições, práticas e limitações no processo de design e no pensamento de design (design thinking). O Marco Antonio Batistella lembrou muito bem dos jogos de linguagem de Wittgeinstein: “o mundo é o meu vocabulário”.

Conversando sobre o caso dos chocolates com o Alessandro Vieira, ele citou de um experimento de psicologia. Deixe uma carteira no meio da calçada com um círculo desenhado em volta…. e ninguém pega o dinheiro!

Deren Brown realizou este experimento neste vídeo, mas não consegui incorporar no post. Mas um estudante fez a mesma coisa:

Mas porque isto funciona para carteiras e não para bicicletas? Uma bicicleta com cadeado também indica que há um projeto. Será que desenhar um círculo em volta ajuda?

5 comentários

  1. O parecer projetado é um mérito. Mas assim como Gonzatto explanou, tenho sentido uma ‘síndrome de academia’, onde tudo é feito pra ser percebido como pensado.

    Claro que tudo depende do contexto e do real objetivo do projeto. Mas acredito que o design ideal deve ser invisível. O utilizador de seu produto não deve se questionar sobre suas ações terem sido previstas ou não.

  2. Muito interessante a relação entre projeto e intenção que você identificou Gonzatto. Queria aprofundar a discussão sobre esse ponto. Como é que que se percebe quem um projeto foi intencional ou não? E quando o projeto parece que é intencional, mas não é, tal como no grupo do Flickr Non-Intentional Design (inspirado no livro de mesmo nome)? http://www.flickr.com/groups/742048@N24/pool/ E quando a intenção é não ser intencional, ex: dadaismo? Qual é o limite do que pode ser percebido como projeto?
    Participei de um workshop sobre Inovação Social na Dinamarca em que os professores deram um artefato exótico para um grupo de alunos e pediaram para discutir o que era quele artefato. Fizemos um esforço danado para descobrir o que era, criamos teorias, fizemos alguns experimentos, mas no final não conseguimos chegar na intenção original do objeto. O ponto dos professores era que estamos o tempo todo significando as coisas para interagir com o mundo. Embora o significado que cada um crie seja diferente, tentamos ao máximo convergir nosso “sense-making” para manter a convivência social. Quando alguém dizia que o artefato era X, em geral, os demais concordavam. Segundo Garfinkel, esse esforço contínuo é a cola que mantém a ordem social.
    A Etnometodologia estuda como se dá essa produção da ordem social. Uma de suas tática favoritas é transformar recurso em tema. Ao invés de relatar que entre dois sujeitos pesquisados existe uma relação de poder, a Etnometodologia pergunta o que esses sujeitos fizeram que ficou tão reconhecível tal relação de poder. Foi exatamente o que você fez na sua análise. Ao invés de se satisfazer com a constatação de que dispor bis em estrela desincentiva seu consumo, você perguntou o que tem de diferente nessa disposição que produz tal comportamento.
    Outra tática da Etnometodologia que você usou não intencionalmente (!) é o “breaching”, que é parecido com o projeto Rupturas Tecno-Cult do Gonçalo: violar uma norma social num ambiente público para ver que outras normas estão sendo mantidas em ordem ali. Os experimentos em psicologia social (como esse da carteira) utilizaram muito essa tática do Garfinkel, mas infelizmente jogaram fora o vínculo situado do Garfinkel e, com isso, a noção de cultura como produção social. Cultura nesses experimentos é apenas fator de variação no comportamento, sem nenhuma perspectiva histórica.
    Parece promissora a proposta do Caio Vassão de observar o Design como parte de uma Cultura de Projeto. Seja em perspectiva moderna ou pós-moderna, projeto é categoria essencial para definir os rumos da sociedade atualmente. Apesar de ser um texto difícil de compreender, segue o link onde o Caio faz uma crítica à falta de atenção ao assunto pela Ciência:
    http://caiovassao.com.br/2010/02/25/cultura-de-projeto/

    • Muito instigante o comentário, Fred 😀 quero muito ler a tese do Caio (li apenas trechos sobre o walkman e DxI) . Essa tática da Etnometodologia me lembrou a questão do “o que faz, no dominado, é solidário com o dominador?”. Aquele projeta, se quer ver o seu objetivo acontecendo do mundo, depende de sua compreensão do mundo. Acho que isso tem tudo a ver com a ideia furada de que aquele que age (o que projeto), age independente do mundo — como se sua ação já não fosse reação de algo, como se não estivesse contextualizada — e dependendo da reação do mundo (positiva ou negativa) vai readequando o projeto para que sua intenção se realize. Um exemplo, da publicidade, é que se é capaz de criar necessidades.

      O quanto da intenção do autor afirmam-se encontrar o rosto de Maria em uma janela ou nos rostos identificados nas fotos da lua http://bit.ly/oc7khK Acredito que justamente pela intenção “original” da produção (o projeto) de um artefato não ser acessível como um todo no artefato, e nem pelo próprio autor do artefato (exemplo: veja o Gilberto Gil, Chico Buarque ou o Caetano explicando suas composições…) é que algumas teoria abandonaram a idéia de que a obra depende unicamente do discurso do autor. Jogando com a idéia de autoria/significação que os neoístas faziam exposições de arte plagiada.

      Vi um documentário que diz que a idéia de OVNIS como naves alienígenas vindo de outro espaço foram que um modo do governo americano (a décadas atrás) para acalmar a população enquanto eles desenvolviam um avião redondo (como modo de alcançar a Alemanha, que aparentemente já possuía um avião assim na época, mais rápido e invisível ao radar, por seu formato). Esta explicação para OVNIS me pareceu fazer sentido. Parece ser uma explicação melhor do que a de que o governo americano desenvolveu aviões em forma de disco porque estudaram uma nave alienígena (área 51, etc). Mas o que é, o que foi REALMENTE, parece inacessível, independente da resposta que eu escolha como melhor. Talvez por isso Foucault escolha estudar a história da verdade ao invés do que é verdade sempre e também Rorty coloque a filosofia como uma literatura que busca dar uma sustentação do mundo, ao invés de coloca-la como explicação que seja descrição da substância e funcionamento do mundo. As teorias filosóficas mudam e convivem e são acolhidas ou não pelas pessoas, pois estas encontram – ou não – um modo de explicar o mundo. Tal como ciência e religião também o fazem, por vezes de forma até mais satisfatória.

      Brinquei com essa relação entre projetar para significado e dar significado para entender o projeto nos slides do “Fora de Controle”, sobre caos e design (ainda tenho que escrever um post sobre 😛 ) http://www.slideshare.net/gonzatto/fora-de-controle

    • Sobre “projeto é categoria essencial para definir os rumos da sociedade atualmente”, o que acha (?): temos uma abordagem popular para o termo projeto na ideia de “qual o seu projeto de vida”. O quanto os projetos são colonizados por imaginários (Visões de Futuro, Ficção Científica, publicidade, etc) e o quanto um projeto deste tipo não é só racional (exemplo: “quero ser o presidente do brasil”, “quero construir uma família e ser feliz”) e o quanto pode PARECER racional e estruturado (quero ser tal coisa e vou fazer tal e tal ações em prol disso) e não ser (quero ser feliz, e para isso preciso de um carro, uma casa, um emprego em tal lugar, um/a companheiro/a que seja isso ou aquilo). Bem, parece que o metadesign entra com força aqui ;P no Mundo Codificado o Flusser reflete sobre o design do design de um modo bem bacana.

      Uma reflexão rápida: o quanto de um projeto não se faz PARA o futuro (ex.: o projeto ideal = Utopia ), mas no agora, a ação do agora corrobora com a manutenção de um projeto, o projeto como algo a não ser realizado por definitivo, como final (ex.: a ação do ritual, o ritual como ação que não visa a completude do projeto, mas a manutenção de um ideal // processo). Tento aqui pensar o inverso: não o design do design (metadesign), mas talvez um “intra-design” (ou algo assim): na projetado se abre a possibilidade do meta-projeto se realizar, pois ele também depende de vários fatores.

  3. Essa diferença entre parecer projetado e ser projetado continua a voltar nos meus pensamentos e conversas volta e meia. Eis que leio um artigo de Clive Dilnot que explica de uma outra maneira o que aconteceu:

    “designed products are differentiated from non-designed products by virtue of the design activities materially embodied within their formal organization”

    Ele está discutindo que a atividade de design do profissional especializado em design procura se diferenciar da atividade de design amadora pela organização formal do produto. Ou seja, nos produtos projetados existe uma espécie de uma mensagem escrita em metalinguagem que diz “Eu fui projetado”. Essa mensagem visa primariamente justificar a existência de especialistas em design.

    Daí me lembro do conselho do Jonas Löwgren depois de assistir a palestra sobre Vernacular Interaction Design que dei no Interaction 2012 de que era super importante desenvolver uma estética vernacular que enfatizasse o contrário, que qualquer pessoa podia projetar. Algo parecido com o que faz a Arte Naïf.

    Segue a referência do artigo mencionado:

    Dilnot, Clive. “Design as a socially significant activity: an introduction.” Design Studies 3.3 (1982): 139-146.